
Poemas de Quintança
Cada Quintança é recheada de poemas do Mario Quintana... Aqui você encontra quais compõem cada história.
Prazer, Poesia!
O caminho de Alana
Animais esquisitóides
Em Prazer, Poesia!:
HOJE É OUTRO DIA
Quando abro cada manhã a janela do meu quarto
É como se abrisse o mesmo livro
numa página nova...
PROJETO DE PREFÁCIO
Sábias agudezas... refinamentos...
-não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraíres
Como com essas imagens mutantes dos caleidoscópios.
Um poema não é também quando paras no fim,
Porque um verdadeiro poema continua sempre...
Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
Não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras!
DESENHO NA PAISAGEM
Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor de venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!
Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...
Jogos de luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou paisagem...
Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!
OS POEMAS
Os poemas são pássaros que chegam
Não se sabe de onde e pousam
No livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alcançam voo
Como de um alçapão.
Eles não têm pouso
Nem porto
Alimentam-se um instante em cada par de mãos
E partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
No maravilhado espanto de saberes
Que o alimento deles já estava em ti...
O VENTO E A CANÇÃO
Só o vento é que sabe versejar:
Tem um verso a fluir que é como um rio de ar.
E onde a qualquer momento podes embarcar:
O que ele está cantando é sempre o teu cantar.
Seu grito é o grito que querias dar,
É ele a dança que ias tu dançar.
E, se acaso quisesses te matar,
Te ensinava cantigas de esquecer
Te ensinava cantigas de embalar...
E só um segredo ele vem te dizer:
-é que o voo do poema não pode parar.
ANOTAÇÃO PARA UM POEMA
As mãos que dizem adeus são pássaros
Que vão morrendo lentamente
INVITATION AU VOYAGE
Se cada um de vós, ó vós outros da televisão
- vós que viajais inertes
Como defuntos num caixão -
Se cada um de vós abrisse um livro de poemas...
Faria uma verdadeira viagem...
Num livro de poemas se descobre de tudo, de tudo mesmo!
-inclusive o amor e outras novidades.
A ARTE DE VIVER
A arte de viver
É simplesmente a arte de conviver...
Simplesmente, disse eu?
Mas como é difícil!
CONVITE
Basta de poemas pra depois...
Ó vida, e se nós dois
Vivêssemos juntos?
POEMINHA DO CONTRA
Todos esses que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
DANÇA
A menina dança sozinha
Por um momento.
A menina dança sozinha
Com o vento, com o ar, com
O sonho de olhos imensos...
A forma grácil de suas pernas
Ele é que as plasma, o seu par
De ar,
De vento,
O seu par fantasma...
Menina de olhos imensos,
Tu, agora, paras, mas a mão ainda erguida
Segura ainda no ar
O hastil invisível
Deste poema!
A CANÇÃO DA VIDA
A vida é louca
A vida é uma sarabanda
E um corrupio...
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
De raparigas em flor
E está cantando
Em torno a ti:
Como eu sou bela,
Amor!
Entra em mim, como em uma tela
De Renoir
Enquanto é primavera,
Enquanto o mundo
Não poluir
O azul do ar!
Não vás ficar
Não vás ficar
Aí...
Como um salso chorando
Na beira do rio...
(Como a vida é bela! Como a vida é louca!)
INSCRIÇÃO PARA UMA LAREIRA
A vida é um incêndio: nela
Dançamos, salamandras mágicas.
Que importa restarem cinzas
Se a chama foi bela e alta?
Em meio aos toros que desabam,
Cantemos a canção das chamas!
Cantemos a canção da vida,
Na própria luz consumida
LOUCA
Súbito
Em meio àquele escuro quarteirão fabril
Das minhas mãos se escapou um pássaro maravilhoso
E eu te amei como quem solta um grito,
Ó Lua enorme
Incompreensível...
Por que sempre me espantas e me assustas, Louca,
Como se eu te visse sempre pela primeira vez?!
CANÇÃO DA PRIMAVERA
Primavera cruza o rio
Cruza o sonho que tu sonhas.
Na cidade adormecida
Primavera vem chegando.
Catavento enlouqueceu,
Ficou girando, girando.
Em torno do catavento
Dancemos todos em bando.
Dancemos todos, dancemos,
Amadas, Mortos, Amigos
Dancemos todos até
Não mais saber-se o motivo...
Até que as paineiras tenham
Por sobre os muros florido!
FAMÍLIA DESENCONTRADA
O Verão é um senhor gordo, sentado na varanda,
Suando em bicas e reclamando cerveja.
O Outono é um tio solteirão que mora lá em cima no sótão e a toda hora prostesta
aos grito: “Que barulho é esse na escada?!”
O Inverno é o vovozinho trêmulo, com a boina enterrada até os olhos, a manta
enrolada nos queixos e sempre resmungando: “Eu não passo deste agosto, eu não passo deste agosto...”
A Primavera, em contrapartida
- é ela quem salva a honra da família -
É uma menininha pulando na corda cabelos ao vento
Pulando e cantando debaixo da chuva
Curtindo o frescor da chuva que desce do céu
O cheiro de terra que sobe do chão
O tapa do vento cara molhada!
Oh! A alegria do vento desgrenhando as árvores
Revirando os pobres guarda-chuvas
Erguendo saias!
A alegria da chuva a cantar nas vidraças
Sob as vaias do vento...
Enquanto
- desafiando o vento, a chuva, desfiando tudo -
No meio da praça a menininha canta
A alegria da vida
A alegria da vida!
CANÇÃO DA CHUVA E DO VENTO
Dança, Velha. Dança. Dança.
Põe um pé. Põe outro pé.
Mais depressa. Mais depressa.
Põe mais um pé. Pé. Pé.
Upa. Salta. Pula. Agacha.
Mete pé e mete assento.
Que o velho agita, frenético,
O seu chicote de vento.
Mansinho agora... mansinho
Até de todo caíres...
Que o Velho dorme de velho
Sob os arcos do Arco-Íris.
DEPOIS DO FIM
Brotou uma flor dentro de uma caveira,
Brotou um riso em meio a um De Profundis.
Mas o riso era infantil e irresistível,
As pétalas da flor irresistivelmente azuis...
Um cavalo pastava junto a uma coluna
Que agora apenas sustentava o céu.
A missa era campal: o vendaval dos cânticos
Curvava como um trigal a cabeça dos fiéis.
Já não sei se viam mais os pássaros mecânicos.
Tudo já era findo sobre o velho mundo.
Diziam que uma guerra simplificara tudo.
Ficou, porém, a prece, um grito último de esperança...
Subia, às vezes, no ar, aquele riso inexplicável de criança
E sempre havia alguém reinventando amor.
SE O POETA FALAR NUM GATO
Se o poeta falar num gato, numa flor,
Num vento que anda por descampados e desvios
E nunca chegou à cidade...
Se falar na mão decepada no meio de uma escada de caracol...
Se não falar em nada
E disser simplesmente tralalá... Que importa?
Todos os poemas são de amor!
Em O Caminho de Alana:
JOGOS PUERIS
O que nos acontece nada tem com a gente
o que nos acontece
são simples acidentes que chegam de olhos fechados
num jogo de cabra-cega
e
mesmo a morte
é aquela conhecidíssima, aquela antiga brincadeira
de fingir de estátuas...
A NOITE GRANDE
Sem o coaxar dos sapos ou o cricri dos grilos
como é que poderíamos dormir tranquilos
a nossa eternidade? Imagina
uma noite sem o palpitar das estrelas
sem o fluir misterioso das águas.
Não digo que a gente saiba que são águas
Estrelas
Grilos...
- morrer é simplesmente esquecer as palavras.
E conhecermos Deus, talvez,
Sem o terror da palavra Deus!
EVOLUÇÃO
Todas as noites o sono me atira da beira de um cais
e ficamos repousando no fundo do mar.
O mar onde tudo recomeça...
Onde tudo se refaz..
Até que, um dia, nós criaremos asas.
E andaremos no ar como se anda na terra.
O PEREGRINO
Eu já, eu já andei por Babilônia,
Onde, como sabeis, vivem os demônios de chifres doirados,
De belos lábios vermelhos,
Cujas palavras embriagam como o vinho...
Depois segui, indiferente, o meu caminho,,
Pensando em como o Diabo subestima a gente!
Meu Deus, como são fúteis as promessas do Diabo!
Para mim que, de todas as minhas andanças,
Nada aqui vos trago,
É muito mais honroso o silêncio de Deus.
O SILÊNCIO
Há um grande silêncio que está sempre à escuta.
E a gente se põe a dizer inquietamente qualquer coisa,
Qualquer coisa, seja o que for,
Desde a corriqueira dúvida sobre se chove ou não chove hoje
Até a tua dúvida metafísica, Hamleto!
E, por todo o sempre, enquanto a gente fala, fala, fala
O silêncio escuta...
E cala.
SE EU FOSSE UM PADRE
Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
Não falaria em Deus nem no Pecado
- muito menos no Anjo Rebelado
E os encantos das suas seduções,
Não citaria santos e profetas:
Nada das suas celestiais promessas
Ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas
Rezaria seus versos, os mais belos,
Desses que desde a infância me embalaram
E quem me dera que alguns fossem meus!
Porque a poesia purifica a alma
... e um belo poema – ainda que de Deus se aparte –
Um belo poema sempre leva a Deus!
A CIRANDA RODAVA NO MEIO DO MUNDO
A ciranda rodava no meio do mundo,
No meio do mundo a ciranda rodava.
E quando a ciranda parava um segundo,
Um grilo, sozinho no mundo, cantava...
Dali a três quadras o mundo acabava.
Dali a três quadras, num valo profundo...
Bem junto com a rua o mundo acabava.
Rodava a ciranda no meio do mundo...
E Nosso Senhor era ali que morava,
Por trás das estrelas, cuidando do seu mundo...
E quando a ciranda por fim terminava
E o silencio, em tudo, era mais profundo,
Nosso Senhor esperava..., esperava...
Cofiando as suas barbas de Pedro Segundo.
Em Animais esquisitóides:
AQUELE ESTRANHO ANIMAL
[pequena história de Mario Quintana]
POEMA DE CIRCUNSTÂNCIA
Onde estão os meus verdes?
Os meus azuis?
O Arranha-Céu comeu!
E ainda falam nos mastodontes, nos brontossauros, nos tiranossauros,
Que mais sei eu...
Os verdadeiros monstros, os Papões são eles, os arranha-céus!
Daqui
Do fundo
Das suas goelas,
Só vemos o céu, estreitamente, através de suas empinadas gargantas ressecas.
Para que lhes serviu beberem tanta luz?!
Defronte
À janela aonde trabalho
Há uma grande árvore...
Mas já estão gestando um monstro de permeio!
Sim, uma grande árvore... Enquanto há verde,
Pastai, pastai, olhos meus...
Uma grande árvore muito verde... Ah,
Todos os meus olhares são de adeus
Como o último olhar de um condenado!
RELÓGIO
O mais feroz dos animais domésticos
é o relógio de parede:
conheço um que já devorou
três gerações da minha família.
CUIDADO!
Nós somos gestantes da alma...Cuidado!
É preciso muito, muito cuidado
Para que a alma possa nascer normal na outra vida.
Nesta, ela mal pode, ela quase não tem tempo de
ficar pronta!
Como é possível, com estes cuidados e mais cuidados
sem conta,
Ah, toda essa vergonha de sermos devorados
- meticulosamente - por milhões de ratos
durante sessenta, setenta, oitenta anos
Quando bem poderia surgir de súbito o nobre leão da morte
Na plenitude nossa
Como acontece com os heróis da Ilíada,
Mas os heróis só morrem - no País das Ilíada -
Belos e jovens...
Aqui, qualquer heroísmo se desmoraliza dia a dia
como a barba do Tempo arrancada, fio a fio, das folhinhas...
Como é possível, como é possível um alma triturada assim pelos relógios?
Como é possível nascer com um barulho destes?
SEISCENTOS E SESSENTA E SEIS
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora, é tarde demais pra ser reprovado...
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
Eu nem olhava o relógio
Seguia sempre, sempre em frente...
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
CANÇÃO DE MUITO LONGE
Foi-por-cau-sa-do-bar-quei-ro
E todas as notes, sob o velho céu arqueado de bugigangas,
A mesma canção jubilosa se erguia.
A canoooavirou Quemfez elavirar? Uma voz perguntava.
Os luares extáticos...
A noite parada...
Foi por causa do barqueiro,
Que não soube remar.