Por entre as amarras, as exigências e os temores.
Por entre as pretensões
e o medo de se colocar em certezas incertas.
Por ter tanto em mente,
um tanto quanto bagunçado no medo de mentir.
Assim a pesquisa se inicia por uma via negativa. Pois é exatamente o contrário desse estado de tensão ao se colocar no mundo, mencionado acima, que essa pesquisa se trata. Trata-se então da potência de um estado para lá de desvalidado em nossos adultérios da idade adulta: o brincar. Busco defender aqui o estado da criança criando brechas para instantes plenos em que se faça possível uma integração - consigo mesmo (corpo e mente, emoções e razões, alegrias e temores, consciências e inconsciências), com o outro, com a sociedade e com o mundo que nos cerca e que cercamos. Integração esta como um estado pleno de presença, que, em ensaios reflexivos durante minha formação neste curso de Licenciatura em Arte-Teatro, chamei de cura, versando possíveis relações entre a arte e a terapia. Estas reflexões tinham “curArte” como título norteador, e cada uma delas se desenvolvia em relação a determinados conteúdos e pesquisas abordados em aula[1].
Neste caminho a “curArte” – um amplo terreno de investigação pessoal – pude reconhecer um potente meio para tal: o brincar. Esse reconhecimento se deu no nível subjetivo, a partir de um atravessamento afetivo e cognitivo em experiências profissionais tanto com crianças[2], como no ofício de atuação em si, além de experiências pessoais, reconhecendo o brincar como modo de vida. Impulsionada por essas impressões, essa pesquisa pretende trazer objetividade às reflexões, com aparato teórico e acadêmico, e por hora deixando os termos “cura” e “terapia” ao lado, para que antes se aprofunde a investigação sobre o brincar.
Mas o que teria a ver o brincar com a arte cênica? É nesse ponto que me debruçarei a elencar e refletir sobre algumas possíveis características do brincar e suas equivalências com a criação cênica – ou, ainda, uma possível abordagem da criação cênica. A essa relação nomearei de Estado Brincante, me referindo tanto ao brincar da criança como ao estado do artista cênico.
Confesso que enquanto busquei certezas para esta escrita introdutória, as redes da autocrítica barraram qualquer letra. É, então, através de uma escrita em processo, brincando de te dizer, que os fios do autoconhecimento se colocarão a tecer letra, palavra e discurso todo, tendo como suporte as ideias de Mario Osorio Marques (2006)[3].
[1] Foram estes os ensaios: “Curarte” (2013); “Conversas à curarte: ensaiando a partir de entrevista com Edgar Castro” (2014); “O narrar e dançar em As Irmãs Macaluso” (2015); “A CurArte nas perspectivas da intérprete-narradora” (2015); “Por que danço?” (2015).
[2] Essas experiências profissionais dizem respeito ao trabalho desenvolvido com crianças com a Trupe Dragão Encantado (vivencias do brincar, contações histórias, oficinas artísticas e rodas de músicas) e na Brinquedoteca do Clube Hebraica – Rebouças, coordenada pela arte-terapeuta Ligia Kohan, que desenvolve proposta de arte-terapia através do brincar.
[3] Referência ao livro Escrever é preciso: o princípio da pesquisa. Ijuí: Unijuí, 2006. Nele, o autor defende a escrita não como um fim ao saber do escritor, mas como um modo de apreensão contínua que se dá no ato da escrita. Ou seja, considera que o escritor sabe o que escreverá ao escrever, e não anteriormente ao ato.
INTRODUZINDO:
incertezas brincantes
